quinta-feira, 16 de julho de 2015

Esvaindo

9 da manhã
um vento quente
chega a entrega
o entregador chegou
ele não me é estranho
foda-se
estou interessado na entrega
um pacote preto de papelão
com cheiro de plástico novo
com cheiro de figurinha repetida
tem um canto aqui esperando esse pacote
ponho no canto
me sento na minha cadeira
tenho que esperar
tenho que vigiar
tenho que olhar
não consigo olhar
quero abrir o pacote
mas está escrito "só com fé"
não tenho fé
o que é fé?
quero aprender
mas estou sozinho
sou burro
e teimoso
eu não me lembro daqui
eu estava aqui antes?
que pacote é esse?
que cadeira é essa?
quem sou eu?
alguém fala alguma coisa, caralho!
cadê todo mundo?
o que sou eu?
o que são esses membros, pele, pelos e dúvidas?
como eu faço?
como eu calo essas perguntas?

Feito de nunca mais

enquanto você dorme
e sonha com teus morangos
estou por aqui que nem um filho da puta
todo o tempo
acordado e conspirando
comendo unha, pele, ferida
obcecado com merdas que não pude conceber
eis meu reino
pode cuspir

Faltam dois minutos

pego meus filhos
num voo doentio
arrasto as asas na pia
correndo e lembrando
não sei fornicar como gente
comigo todos os desossados
multidão solitária
eles conseguem lamber o próprio rabo
pego meus trapos
contenção

Madonna

pra matar o que já morreu
fizemos todo um ritual
a vontade de crescer me impede de ser humano
pego a faca
acaricio a pele
começo a esfriar
sentado no chão de uma sala vazia
o barulho lá fora faz parte do todo
faz parte desse inferno
me leva com o senhor
me leve até o senhor

Sobre o que pairam os abutres

admite
mostra o quanto você é ridículo
agarrado nessa borda
todo borrado
pedindo ajuda
os amigos ou traíram ou morreram
todos te seguem
só pra rir da tua desgraça
e celebrar a tua morte
são oito da manhã
e tem uma freira na televisão
as rodas estão em movimento
e ninguém pode
ninguém

Torcida

pelo menos uma vez
pedir pra ser outro
dócil
sóbrio
é difícil
alguma coisa que encaixe
onde só o nada encaixa
alheio
oblíquo
pedir pra sal ser doce
tem que seguir
tem que seguir

Tuesday

vim como quadrúpede
surgiram mais tres patas nas costas
nove olhos no pescoço
e pêlos na minha língua
sou querido
em algum lugar distante
não aqui
nessa terra de bobos
eles me amarram
me batem
me rezam
me estupram
me fazem gente

Desacopla o trovador

ele está no meio de nós
a chama lambeu
marcou
no meio da cara
privilégio
odiar
desejar
comungar
sofrer
gargalhar
sempre ter razão
nunca ter limite
palavra da salvação

Travado em felação

pergunte a quem viu a ossada sorridente desembainhar a tulipa
em sua montaria flamejante
no sono todo o controle
não tem cura pra quem regurgita hostilidade no café da manhã
pode chamar de qualquer nome ou de nenhum deles
pereba
friera
buda
chocolate

estará
em matrimônio com o fundo
eu dei as mãos pra sempre
estou preso na ciranda
cantando a desgraça
sincronizando o ódio do mundo

Fruto

modesto
quando dobrar a esquina
olha
cegos esmurrando os muros
já mastigamos tudo que é faca
pra cagar sangue nos contratos
quem não crê também não teme
aquele que puxa a carroça
leva todos pro penhasco
substimado
ninguém fala do mal
o mal se faz voz

Amargura

perdi toda a vontade
de falar sobre o que me afligia
quando nasci estava na praia
olhei pra cima
vi o ânus de um touro
sangrando na minha cabeça
o bode te vende lucidez
mas cobra em esperança
me comanda em dias de nuvens
me pune em dias de sol

Let me see another day

graça
doce é o som
do filho sem os pais
chuta a cabeça dele
com força
no meio-fio
a violência é a mais velha das putas
não tem inimigos
e todo mundo já currou
o caminho para a paz é cíclico
enfeitado com cabeças de burros
começa no fim
termina no início

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Doll

teu sossego acaba agora
em putaria e muito choro
quero ver voce voar
com a porra das asas quebradas
quero testar a tua fé
com um cabo de vassoura
quero ouvir me negar 3 vezes
enquanto eu mordo teu couro fora
chama o teu babaca mentiroso
eu sou a maior das mentiras
é do meu sangue que tu vai beber agora

Third song

senil
contempla
passou a idade
ficou pra trás
a pele esfarela
remédio e mijo
a mente engana
as caras misturam
sempre uma mão no ombro
não há surpresa
falando com coisas
tudo é cinza
tudo é cinza de novo

Quem pede ajuda

cordeiro de olhos furados
renasce pra nada
no frio um vazio
euforia
tempo de fartura
rios de esbórnia
me ama cinco vezes
unha na terra
espera naquele portão
comendo as próprias patas
vende-se

Um mundo a descarrilar

esse bando desordenado
maculando o chão em seu rastro
este é um deus louco
os efeitos são aleatórios
os males são uniformes
as engrenagens paradas
sem saliva para abençoar
sem saliva para blasfemar
ninguém tem culpa
era inevitável

Once and again

vulto encapuzado
os braços são compridos
se esgueira pelo chão
e continua crescendo
tá tudo envenenado
ouvido de todas as bocas
e até no silêncio
não se pode falar pelas costas dos mortos
em sono é cobrada a taxa
rabiscado em sangue curtido
no beco da omissão

Silver Hand

cabelo queimado
o coração esquenta
herói velho
segura o talismã
teme a noite
prendendo um choro de eras
nas agruras
nas alturas
todo barulho é suicídio
somos iguais

Apresentação

A hora se aproxima. Essa é a única certeza. Com isso em mente resolvi compilar aqui algumas coisas guardadas em um velho HD e que provavelmente nunca veriam a luz do dia. São todas letras esquecidas que nunca foram usadas em música alguma e talvez nunca sejam usadas.
Não busque sentido em nada a seguir. Aproveite as palavras.